sábado, abril 07, 2018

Das Indústrias Culturais 1


Das Indústrias Culturais
As principais cidades portuguesas estão gentrificadas, ou seja, turistificadas. Quando olhamos, hoje, para o Porto e Lisboa, vimos uma massa de turistas, geralmente em grupo, que passeiam, por vezes à pressa, pelas suas ruas. O debate está em aberto na sociedade portuguesa e nas suas instituições políticas. Estas últimas tentam desdenhar o problema, porque de um problema se trata. O dinheiro não é despiciendo para os impostos e já se fala em impor ao Porto uma taxa turística de dois euros por cada dia que um turista passa na cidade. Em Lisboa basta um único euro que reverterá, dizem, para a recuperação do património nacional. O problema para a sociedade civil é outro. Os centros esvaziam-se das suas populações sendo substituídos por hostels e comércio de duvidosa qualidade e as chamadas indústrias culturais multiplicam-se. São os museus e a cultura que servem de «menu» aos turistas. Mas cuidado, gente boa que nos vem visitar! No Porto, o Museu de Serralves tem abandonado devagarinho os seus objectivos primordiais de expor a sua colecção per
manente, para nos dar pintura e instalações de gosto duvidoso. A própria mostra das 80 obras de Miró, que o Estado se apropriou, quando da falência do Banco Espírito Santo, não têm qualquer coerência quer cronológica, quer conceptual. São quadros «a monte» comprados por especuladores e que nem a boa vontade do seu curador, Siza Vieira, conseguiu dar-lhe a tal coerência expositiva que lhe falta. As Indústria culturais de grandes empresas multiplicam-se para dar conta do aumento de turismo. É o MAAT um museu de arte contemporânea ligado à EDP (empresa de electricidade ligada a capitais chineses), o Museu Joe Berardo (outro banqueiro falido) que mais não é um amontoado de obras compradas avulso e espectáculos teatrais, de moda e musicais que se desdobram para gosto dos «turistas». Claro que há quem resista e tente expor e trabalhar com base numa escolha artística séria como, por exemplo, a exposição de Amadeo de Souza-Cardozo ou de Almada Negreiros esse «futurista e tudo», mas são efémeras e repartem-se rapidamente entre as duas cidades mais importantes de Portugal. As indústrias culturais estão aí para dar e vender. Literalmente. Mudam as populações originárias dos centros urbanos, aumenta-se o preço numa gastronomia que pouco tem de autóctone, o barulho de DJ’s nas ruas retira-nos o silêncio necessário da cidade, as árvores são arrancadas para alargar os passeios das ruas. Só me resta um apelo, a vós, turistas: salvem-nos das indústrias culturais. Exijam genuinidade!



António Luís Catarino
Publicado em 14 03 2017
Suplemento Cultural Taboa Redonda do El Progreso e Diario de Pontevedra